segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Mulheres na História da Matemática: ousadia e conhecimento

Estudos do professor João Batista do Nascimento evidenciam a participação da mulher no campo científico, especificamente o da Matemática, e revelam questões discriminatórias historicamente construídas em relação à presença feminina nesse tradicional reduto masculino. Entretanto, segundo o pesquisador, apesar dos interditos, algumas, desde os primórdios dos séculos, desafiaram esse cânone produzindo conhecimento interdisciplinar ao agregarem nuances pedagógicas ao saber matemático –  como é o caso de Theano, nascida em 546 a.C.,  primeira mulher a frequentar a escola Pitagórica destacando-se como filósofa e física; e de Rosvita de Gandersheim, teatróloga, professora e autora de uma metodologia para ensinar a teoria dos números por meio da linguagem cênica.

Na sequência expositiva de seu estudo, o pesquisador nomeia outras que também romperam os padrões matemáticos patriarcais. E neste sentido, faz uma incursão pela Literatura Universal avaliando que a engenhosidade da personagem Elisa (In: Eneida, de Virgílio) foi decisiva para resolver questões de cálculo isoperimétrico, ao transformar um couro de boi em fios para delimitar a área de uma muralha em torno da lendária Cartago.

Situando a história das mulheres no contexto dos anos 380 da Era Cristã, João Nascimento recupera a contribuição de Hipátia (ou Hipácia) para o estudo da geometria, registrando que ela, em razão da reconhecida capacidade, assumiu o mais alto posto científico à época: a direção do Museu de Alexandria.

Na França do Século das Luzes, para vencer as barreiras discriminatórias, Grabrielle Emilie Tonnelier de Breteuil (Madame/Marquesa Du Châtelet) usou uma estratégia nada convencional aos padrões da época: vestiu-se com roupas masculinas para ter acesso ao círculo de matemáticos que frequentavam as cafeterias parisienses e, assim, defender as próprias teses. Foi pela coerência dessas proposições que, segundo o pesquisador, Madame Du Châtelet notabilizou-se nos meios acadêmicos culminando com a tradução comentada da obra Principia de Newton e a publicação do livro Institutions de Physique, no qual defendia as ideias de Leibniz sobre Cálculo Diferencial e Integral.

Maria Gaetana Agnesi, diz o autor, também esteve envolvida com as teorizações sobre Cálculo Diferencial e Integral, destacando-se na comunidade científica por expressar profundo conhecimento desse conteúdo nos debates e nas publicações Propositiones Philosophicae, coletânea de ensaios englobando vários temas das ciências exatas e naturais, e Instituzioni Analitiche (2 volumes), obra  que, traduzida para o inglês, influenciou, em diversos países, a bibliografia atual sobre o assunto. Pelos estudos e competência demonstrados, em 1749, Agnesi foi nomeada docente da Universidade de Bolonha pelo Papa Benedito XIV.

A vida e a obra do matemático Arquimedes de Saracusa foram a pedra de toque para que a francesa Marie-Sophie Germain (1776) se interessasse por matemática, mesmo a contragosto dos pais. Objetivando ingressar na Ecole Polytechnique -- à época, um Centro de Ciência e Tecnologia  proibido às mulheres--Marie-Shopie fez-se passar por Monsieur Antoine-August Le Blanc, aluno que não frequentava as aulas. O disfarce provocou várias situações vexatórias, mas deu certo: ela ganhou a respeitabilidade do mestre e a possibilidade de corresponder-se com o matemático alemão Johann Carl Friedrich Gauss, de quem se tornou aluna e amiga. Esse aprendizado resultou, entre outros: o aperfeiçoamento do Último Teorema de Fermat: a teoria sobre as vibrações que contribuem para manter as estruturas (teoria aplicada na Torre Eiffel-Paris, 1889); o trabalho sobre Superfícies Elásticas, pelo qual ganhou prêmio da Academia Francesa de Ciência, sendo a primeira mulher aceita nessa congregação. Em reconhecimento a esses estudos, Carl Gauss solicitou à universidade de Göttingen (Alemanha) certificar o trabalho de Marie-Sophie como tese de doutorado.

A escocesa Mary Fairfax Somerville, em pleno século XIX, autodidaticamente aprendeu Cálculo Diferencial e Integral no Traité de Mécanique Celeste, do matemático francês Pierre Simon Laplace. Como culminância desses estudos, em 1830, ela publicou o livro The Mechanisms of the Heavens, no qual incluiu fundamentos matemáticos e uma série de diagramas, tornando mais acessível a teoria de Laplace e, em 1832, a Preliminary Dissertation on the Mechanisms of the Heavens. Por essas contribuições, a Royal Society of London homenageou Mary Somerville com uma escultura do busto da cientista, a cuja inauguração  não foi convidada por ser proibida a entrada de mulher.

Para João Batista Nascimento, talvez o frio asiático e o afeto familiar tenham sido responsáveis pela iniciação de Sonja Kovalevsky no saber matemático, visto que, em razão do rigoroso inverno, o quarto da jovem russa foi forrado com as anotações paternas sobre cálculo. Confinada nesse aconchego, resolveu estudar aqueles apontamentos. Daí foi um passo para aprender Cálculo Diferencial e Integral, e matricular-se na Escola Naval de S. Petersburgo. Barreiras sociais e familiares a fizeram optar pelo casamento com Wladimir Kovalevsky, o que lhe possibilitou conhecer outros centros de estudos, contatar com expressivos cientistas russos e ser admitida, em 1894, como docente de matemática na Universidade de Estocolmo.  De suas investigações sobre Equações Diferenciais Parciais (Teorema de Cauchy-Kovalevsky), obteve o grau de Doutora em Filosofia pela Universidade de Göttingen e, em 1888, com um trabalho sobre Problema de Rotação de um Corpo Sólido em Torno de um Ponto Fixo conquistou o Prêmio Bordin, concedido pela Academia Francesa, além do título de primeira mulher a ingressar na Academia Russa de Ciências.

Amalie Emmy Noether, algebrista e matemática, defendeu em 1907, orientada por Paul Gordan, tese de doutorado Sobre Sistemas Completos de Invariantes para Formas Biquadradas Ternárias. Perseguida pelo nazismo, a cientista exilou-se nos Estados Unidos onde integrou o corpo docente do Instituto Avançado de Princeton.

Da história de vida da sérvia Mileva Maric, João Nascimento registra que ela, aos 17 anos, ingressou no Instituto Politécnico de Zurique (ETH) para estudar matemática, especializando-se em geometria riemanniana e cálculo tensorial. Entretanto, diz o pesquisador que, apesar da competência,  Mileva, por ser esposa do físico alemão Albert Einstein, não escapou dos epítetos discriminatórios que avaliavam o saber matemático dela comparado à “genialidade” do marido.

Fonte de pesquisa: http://www.jornaliaras.ufpa.br/index.php?option=com_content&view=article&id=59%3Amulheres-na-historia-da-matematica-ousadia-e-conhecimento&catid=5%3Aedicao-3-marco--abril&Itemid=13